24 de fevereiro de 2010

Right To Play - A bola para combater a miséria

Exatamente um ano atrás a Vírgula escreveu sobre Johann Olav Koss, o qual criou a organização Right To Play. Sendo que neste momento está acontecendo a Olimpiada, em homenagem ao Barão de Coubertin, quem em 1894 fundou o Comitê Olímpico Internacional e depois de mil e quinhentos anos criou fez possível novamente os Jogos Olímpicos, acreditando que o esporte pode salvar o mundo, a Vírgula lembrará novamente esta organização que de forma tão sincera e corajosa continua o sonho de Coubertin.



Johnn Olav Koss nasceu em 29 de outubro de 1968 na Noruega. É um dos maiores patinadores da história. Em 1990 tornou-se pela primeira vez campeão mundial e daquele ano em diante ganhou 7 títulos mundiais e 4 medalhas de ouro olímpicas. Obteve 10 recordes mundiais.Em 1994 ele encerra sua carreira e torna-se embaixador da UNICEF e membro do Comitê Olímpico Internacional.
Koss fundou a organização Right To Play, que tenta usar o esporte como meio para combater a miséria no mundo. O seu alvo principal são as crianças, tentando, atravéz do esporte, ensiná-las sobre a importância do trabalho em equipe, da força de vontade, do respeito a sí e ao próximo, da responsabilidade. Sabendo que estes valores tem como resultado o bem de toda a comunidade.
Os projetos desta organização, que tem sua sede no Canadá, já estão em desenvolvimento em 23 países, como por exemplo no Chade, Etiópia, Guiné, Líbano, Ruanda, Tailândia. Já atingi 500 mil crianças.

Muitos atletas apoiaram e apoiam esta idéia. Um exemplo é o patinador americano Joey Cheek, que doou para a organização o prêmio em dinheiro que recebeu ao ganhar a medalha de ouro nas Olimpíadas de Inverno de 2006.

Johnn Olav Koss conta que no início os jornais da Europa, EUA e Canadá ironizavam dizendo que “ele está tentando levar a bola para aqueles que esperam comida”. Porém da boca das pessoas das comunidades onde atua há apenas o apoio incondicional. Um membro de uma das comunidades disse que muitas organizações por alí passaram trazendo alimentos, mas é a Right to play que veio tentar alimentar a alma das pessoas,

ANSELMO BORGES - Haiti. Onde estava Deus?

Professor douctor Anselmo Borges, maior autoridade na teologia e filosofia de Portugal, escreveu no dia 13 de fevereiro este artigo no jornal Diário de Noticias

Não há palavras suficientes e sobretudo suficientemente fortes para descrever a tragédia do Haiti: mais de duzentos mil mortos, mais de um milhão de desalojados, fome, pilhagens, órfãos sem conta, rapto de crianças, o desabar de um resto de Estado, o buraco negro e roto do futuro... O horror pura e simplesmente!

E muitos, alto ou lá no íntimo, gritaram: Onde estava Deus, onde está Deus no Haiti? A pergunta constantemente repetida ao longo da História: Onde estava Deus no Gólgota?, onde estava Deus no terramoto de Lisboa, no tsunami da Indonésia?, onde estava Deus em Auschwitz?...

Este clamor acompanha a história da filosofia, desde que Epicuro por volta do ano 300 a. C. e, depois, Pierre Bayle, no iluminismo, atenazaram o pensamento neste domínio. Deus deve ser omnipotente e infinitamente bom. Assim, como explicar o mal? Ou Deus pôde evitá-lo e não quis: então, não é infinitamente bom. Ou quis, mas não pôde: então, não é omnipotente. Ou não pôde nem quis: então, não é Deus. Ou pôde e quis: então, porquê o mal?

As tentativas de resposta sucederam-se. Leibniz inventou inclusivamente a palavra teodiceia, que significa precisamente "justificação de Deus", no Essai de théodicée (Ensaio de teodiceia). Aí, argumentava que este mundo não é óptimo nem perfeito, mas, sendo Deus infinitamente bom, omnipotente e omnisciente, é o melhor dos mundos possíveis. O ensaio foi publicado em 1710, tornando-se quase um manual da Europa culta. Mas bastaram 45 anos - o terramoto de Lisboa foi em 1755 - para que Voltaire ironizasse sobre ele no Cândido ou o Optimismo. E Kant, em 1791, escreveu um pequeno tratado com o título Über das Misslingen aller philosophischen Versuche in der Theodizee (Sobre o fracasso de todas as tentativas filosóficas na teodiceia).

Como pode, de facto, a razão humana finita justificar Deus perante o mal? Aliás, constituiria crueldade cínica avançar para junto de quem sofre os horrores do mal com explicações teóricas. De qualquer modo, frente ao mal, o crente percebe que Deus não é omnipotente nem infinitamente bom ao modo do pensar humano e que afinal a fé é mais um combate do que uma consolação e que esse combate tem a sua prova na praxis solidária com quem sofre.

Num documento sobre a tragédia do Haiti, a Associação de Teólogos João XXIII lamenta que se continue à procura do Deus-relojoeiro de Newton, ajustando a maquinaria do universo, e que não se acabe com o pedido de milagres naturais a Deus - que mande chuva, que evite os tsunamis, que faça prodígios -, um Deus-providência ao nosso serviço, um superpai que nos proteja da natureza e das suas leis, esquecendo que "Deus não interveio para evitar o Gólgota nem Auschwitz nem evitou pestes, fomes e outros desastres".

Em que Deus acreditam então? "Cremos que o mal é também um mistério que dificilmente encaixa na imagem de um Deus omnipotente e misericordioso, sobretudo quando se traduz em sofrimento dos pobres e inocentes." Crêem no Deus que não tem ciúmes do ser humano e lhe deu capacidade criadora - talvez a ciência possa vir a prever os terramotos - e responsabilidade no mundo. Deus defende os pobres e oprimidos e abençoa os que trabalham pela justiça e pela paz.

"Deus não é neutral, está no Haiti nas vítimas e em todas as pessoas que ali trabalham solidariamente", identifica-se com as vítimas, fazendo delas o critério do juízo divino: "Destes-me de comer, de beber, de vestir..." Ninguém tem o direito de falar em seu nome, "só elas e quem partilha os seus sofrimentos. Mas podemos e devemos todos tornar-nos presentes no Haiti, atender às necessidades urgentes dos haitianos e colaborar na sua reconstrução".

Mas não basta. "O Haiti personifica hoje os povos crucificados"; temos todos de mudar, e a referência ao Deus de Jesus há-de ser "o grande acicate de justiça e solidariedade" num mundo cuja ordem internacional "está montada sobre a concentração da riqueza em 20% da humanidade e o desamparo de boa parte dela".