25 de fevereiro de 2011

Com uma palavra a pessoa pode ser soldado, médico ou destruidor

Vladas Bartochevis escreve
Desde o primeiro dia eu aqui digo: palavras e idéias podem mudar o mundo.
A palavra é o instrumento mais importante da humanidade, e quando usada adequadamente: é o mais poderoso dos instrumentos.

Recentemente toda a Lituânia chorou com a morte do poeta Justinas Marcinkevicius. Uma pessoa que toda a vida se preocupou em preencher o vazio com palavras puras e belas. Com seus versos tocou o coração das pessoas, preocupou-se para que as pessoas não se esquecessem daquilo que é verdadeiro e importante, que frente a beleza vale a pena parar, que pela liberdade vale a pena viver.
Ele foi um poeta, grande poeta, um mestre das palavras. Que desde os tempos soviéticos até hoje, provocou os lituanos à liberdade.

Marcinkevicius é um exemplo do poder da palavra. Tantos outros grandes nomes usaram e a usam para o bem ou o mal.
A maioria das pessoas não tem o dom de escrever bonito ou o dom da retórica. O que a maioria das pessoas falam diariamente não resulta em revoluções como aconteceria com pessoas famosas. Mas todos os dias, em todo instante, cada pessoa contribui para a criação do mundo.
Quando escrevi no início que bem usada, a palavra é o mais poderoso instrumento: „bem usada“ não significa que de acordo com as regras gramaticais ou de etiqueta, e nem mesmo ter o dom de atrair a atenção das pessoas. Não é por causa disto que as palavras serão mais importantes. Quando a palavra vem do coração e não são vazias, elas preenchem o vazio. Bem usada significa „usada de forma sensível“.
Todas as pessoas podem envenenar o presente momento e uma pessoa, assim como pode embelezar ou salvar aquele momento e a pessoa.

Então há duas coisas principais. A primeira: todas as pessoas tem este poderoso instrumento. Segunda: será usado? e como será usado?
Estas duas coisas tem de estar vivas dentro de nós antes de qualquer instante.

Com o que me depararei hoje, com quem conversarei: eu diretamente influêncio naquela pessoa e naquelas situações.
Assim que a palavra sai de mim, aquele instante já não é o mesmo, eu o influenciei. Então a pergunta chave: como contribuirei? Contribuirei de forma rude, com mentira, com ofensas? Ou me preocuparei em preencher aquele instante ou o vazio naquela pessoa com respeito, educação, carinho?

Isso parece ser cansativo. Por que tenho que penar antes de cada instante? Realmente é mais fácil não ter responsabilidades... De forma geral sempre é mais fácil ficar do lado donde não é preciso chamar a responsabilidade. Mas o que alcançaremos com isso? Agora pare dois minutos e pense como pode ser uma sociedade onde o sentimento de responsabilidade é uma coisa estranha... é constrangedor, mas talvez possa até mesmo olhar pela janela ou ao redor e ver!

Verdade seja dita, que cada momento tem variados agentes, os quais constroem aquele instante, mas isso não pode ser desculpa.
Não importa como é a situação ir quais são os agentes nela, minha contribuição na criação daquele momento é enorme. Com uma palavra a pessoa pode ser soldado, médico ou destruidor.

O que fazemos com a linguagem?

Anselmo Borges é reconhecido como uma das maiores autoridades da Teologia e Filosofia não só da Europa, mas de todo o mundo. E temos o prazer de trazer seus textos aqui na Vírgula e traduzí-los para a versão lituana do projeto, para que a Lituânia também possa se enriquecer com as sábias palavras deste grande pensador e mestre.
Aqui segue o texto publicado no Diário de Notícias de Portugal do dia 19 de fevereiro.

Lá está Ludwig Wittgenstein: a linguagem não serve apenas para descrever a realidade, usamo-la também para pedir um favor, para agradecer, para amaldiçoar, para saudar, para rezar...

E é preciso atender ao contexto, à situação, ao uso. "Chove" pode dizer a constatação de um facto: está realmente a chover. Mas suponhamos que a mãe, pela manhã, quando o filho se prepara para ir para escola, lhe diz: "Chove", ele sabe ao mesmo tempo que deve levar o guarda-chuva. Se, numa família de agricultores, após uma seca prolongada, a mulher abre a janela e diz ao marido: "Chove", é o contentamento que é dito. Mas, se estavam na expectativa de um passeio agradável e diz: "Chove", é a desilusão.

A linguagem tem três funções principais: a expressiva, a apelativa e a representativa. Essas funções têm a ver com as relações estabelecidas entre o emissor, o receptor e os objectos: há alguém (emissor) que se dirige a alguém (receptor) para lhe comunicar algo. Pela função de expressão, o emissor exprime-se; pela função de apelação, interpela o receptor; pela função de representação, a linguagem torna presente a realidade.

Há também a função fática, que tem apenas a missão de manter o contacto: "sim, sim...", "pois...", "claro...". Quando alguém fala demais, vai-se tentando dizer que ainda se está lá a ouvir. Sabe Deus!...

Noutro sentido, é essencial a dimensão pragmática da linguagem. Segundo alguns filósofos, deveria tender-se para uma linguagem artificial, lógico-unívoca, interessando apenas as dimensões sintáctica (a relação dos signos entre si) e semântica (relação dos signos com a realidade) da linguagem e o princípio verificacionista das asserções. Mas, deste modo, esquecia-se a dimensão pragmática: falando, produz-se um efeito. Pense-se, por exemplo, na promessa de casamento: "prometo e juro amar-te e ser-te fiel por toda a nossa vida" produz o efeito que é o próprio casamento. Esta dimensão foi sublinhada na Bíblia: Deus criou pela palavra, palavra eficaz.
Com a linguagem, pode-se arrastar multidões, levá-las à revolução, acalmá-las, exaltá-las, virá-las num sentido ou noutro.

A palavra cura. Uma vez, apareceu-me um homem com imensos problemas e apenas me pediu que o ouvisse, sem interrupção. Falou mais de hora e meia e, no fim, agradeceu-me muito: tinha posto alguma ordem na sua vida. Com algumas palavras, podemos abrir futuro a uma pessoa. Com algumas palavras, podemos destruí-la para sempre: "és um burro, nunca farás nada na vida!"

Pela palavra, abrimo-nos ao mundo e o mundo abre-se a nós. Falando, damos razão disto ou daquilo, argumentamos, comprometemo-nos, formamos comunidade. Sendo a razão humana linguisticizada, só podemos compreender-nos a nós próprios em corpo, com outros e na história.

O homem, pelo facto de ser zôon lógon échon, animal que tem linguagem, é também zôon politikón, animal social, político, diferentemente do animal, que é gregário, e a razão disso é a palavra, como bem viu Aristóteles, na Política: "A razão de o homem ser um ser social, mais do que qualquer abelha e qualquer outro animal gregário, é clara. Só o homem, entre os animais, possui a palavra." E continua: "A voz é uma indicação da dor e do prazer; por isso, têm-na também os outros animais. Pelo contrário, a palavra existe para manifestar o conveniente e o inconveniente, bem como o justo e o injusto. E isto é o próprio dos humanos face aos outros animais: possuir, de modo exclusivo, o sentido do bem e do mal, do justo e do injusto e das demais apreciações. A participação comunitária nestas funda a casa familiar e a cidade."

A linguagem humana não se reduz à linguagem emotiva do prazer e do desprazer. É capaz de fazer juízos morais, de distinguir o bem e o mal, o justo e o injusto, partilhar e debater publicamente estas apreciações. Deste modo, como sintetiza, Gabriel Amengual, "por esta dupla função, a linguagem funda a ética e funda eticamente a pólis".

Como faz falta voltar aos clássicos! Para acabar com a mentira e ir além da sofística.