9 de maio de 2011

O penúltimo e o último

Anselmo Borges é reconhecido como uma das maiores autoridades da Teologia e Filosofia não só da Europa, mas de todo o mundo. E temos o prazer de trazer seus textos aqui na Vírgula e traduzí-los para a versão lituana do projeto, para que a Lituânia também possa se enriquecer com as sábias palavras deste grande pensador e mestre.
Aqui segue o texto publicado no Diário de Notícias de Portugal do dia 23 de Abril. *Obs.:A versão lituana está em www.kableliai.blogspot.com


Nos meses de Fevereiro e Março, participei como conferencista em vários colóquios e simpósios sobre o tema da morte, do além e do luto. Em todos, as salas de conferências estavam cheias - a última intervenção foi nos H U C, e as inscrições chegaram, segundo me disseram, a 865. Afinal, embora vivamos num tempo em que a morte se tornou tabu - disso não se fala -, as pessoas continuam a pensar nela. Será possível não pensar? Mesmo se ela é o impensável - diz-se que o filósofo Michel Foucault, nos seus últimos dias no hospital, terá sussurrado: "le pire c'est qu'il n'y a rien à dire" (o pior é que não há nada a dizer) -, é-o enquanto o impensável que obriga a pensar.

Claro que se pode sempre dizer que a morte é o mais natural - aliás, a língua portuguesa é pessimista: a palavra nada vem de res nata (coisa nascida) -, tudo o que nasce morre. A vida é como uma vela que se apaga. Mas lá está o ateu religioso Ernst Bloch, protestando: o ser humano não é uma vela. A morte humana não é redutível à morte biológica, pois o Homem é uma existência, autoconsciência, que antecipa, que pergunta ilimitadamente, também para lá da morte. Outra vez Bloch: o cadáver é a evidência, mas ninguém se contenta com o cadáver (por isso, reflectiu permanentemente sobre o enigma da morte, para dizer que o núcleo do humano é extraterritorial à morte - o que isso possa querer dizer é discutível).

Pedro Laín Entralgo, médico e filósofo, não se cansou de repetir: o saber científico é certo, mas refere-se ao que é penúltimo. O último (porque há algo e não nada?, porque existo precisamente eu?, há Deus?, há vida para lá da morte?, com a morte, acaba tudo?) é saber de crença, razoável, mas incerto. É imbecil dizer: eu sei que há Deus, eu sei que há vida para lá da morte; mas é igualmente imbecil dizer: eu sei que não há Deus, eu sei que tudo acaba na morte. Perante o último, está-se no domínio da crença razoável, não no domínio do saber racional. Há razões para acreditar e razões para não acreditar. De qualquer forma, o crente deve compreender o não crente, mas este também não pode atirar os crentes todos para o asilo da ignorância e da superstição.

Perante o último, fica-se na perplexidade. Porque lá está Witt- genstein: "Sentimos que, mesmo que todas as possíveis questões científicas tivessem recebido resposta, os nossos problemas vitais não teriam ainda sequer sido tocados." E: "Acreditar num Deus quer dizer compreender a questão do sentido da vida. Crer num Deus quer dizer ver que os factos do mundo não são, portanto, tudo. Crer em Deus quer dizer ver que a vida tem um sentido." Mas Pascal já advertira: "Incompreensível que haja Deus, e incompreensível que não haja; que a alma seja com o corpo, que não tenhamos alma; que o mundo seja criado, que não o seja, etc." Umberto Eco disse recentemente a João Céu e Silva [do DN]: "Creio que o homem é um animal religioso, que tem medo da morte e das coisas terríveis. É mais conveniente acreditar em Deus, e só os filósofos podem suportar a sua ausência." Será assim? Jürgen Habermas, talvez o maior filósofo vivo, confessou num discurso subordinado ao tema "Glauben und Wissen" (Crer e saber), pronunciado já depois do trágico Setembro de 2001: "A esperança perdida na ressurreição deixa atrás de si um vazio manifesto." Há aquela pergunta in-finita: quem fará justiça às vítimas inocentes?

Nestes dias de Páscoa, o que os cristãos celebram é que Jesus crucificado e morto não ficou encerrado no nada da morte, pois foi encontrado pela vida plena e eterna de Deus. Como confessou há pouco Bento XVI, muitos cristãos já não acreditam e andam confusos. Mas também é verdade que o cristianismo se mantém em pé ou se afunda segundo seja verdade ou não que Jesus é o Vivente em Deus.

Nisto, que é essencial e decisivo, o polémico teólogo Hans Küng está de acordo. Pergunta na obra recente Was ich glaube (A minha fé): "E se me tivesse enganado e na morte entrasse não na vida eterna de Deus, mas no nada? Se assim fosse - já o disse muitas vezes e estou convencido disso -, de qualquer modo teria vivido uma vida melhor e com mais sentido do que sem esta esperança."

9 de março de 2011

João Carlos Martins

João Carlos Gandra da Silva Martins nasceu em 1940 na cidade de São Paulo. Ex-pianista, foi considerado o melhor intérprete de Johann Sebastian Bach. Hoje é regente.

Ele foi considerado a pessoa no mundo que melhor personificou a obra de Bach. Porém diversos problemas de saúde e um acontecimento trágico impediram que o melhor intérprete de Bach, que era capaz de tocar 21 notas por segundo, continuasse sua carreira assim como gostaria.

Mas ele ultrapassou e a cada dia ultrapassa todos os obstáculos para fazer aquilo no qual acredita e que lhe permite viver com entusiasmo.

Abaixo há um vídeo onde João Carlos Martins conta os principais fatos de sua vida. Este vídeo traz a parte final da novela chamada Viver a Vida, da qual o principal tema era exatamente enfrentar e vencer os desafios da vida. E o maestro foi convidado para contar o seu exemplo.



Depois do tumor na mão esquerda, quando ficou claro que não poderia mais tocar piano, ele decidiu voltar a escola e tornar-se dirigente(esta decisão ele tomou quando já tinha por volta de 60 anos). E depois de 6 anos tornou-se dirigente.
Cada dia ele enfrenta obstáculos. Por exemplo: não podendo virar as páginas da partitura e não podendo segurar a batuta, ele passa horas memorizando as notas antes das apresentações.

Abaixo uma apresentação de João Carlos Martins em São Paulo. No início ele toca o piano mesmo com os problemas de movimento nas mãos, e depois se levanta e rege a sua orquestra. No final junta-se a bateria da escola de samba Vai-Vai que este ano homenageou o maestro e acabou sendo a campeã do Carnaval de São Paulo.



Ele reconhece que sente muita falta do tempo que podia tocar livremente a sua paixão que é o piano, mas disse: "os problemas com minha mão são coisas do passado, hoje sou dirigente de uma orquestra maravilhosa, e faço de cada musico desta orquestra uma nota de meu piano."
Hoje João Carlos Martins trabalha diariamente com pessoas de diversas classes sociais levando lições de música e de vida.

Religiões proféticas

Anselmo Borges é reconhecido como uma das maiores autoridades da Teologia e Filosofia não só da Europa, mas de todo o mundo. E temos o prazer de trazer seus textos aqui na Vírgula e traduzí-los para a versão lituana do projeto, para que a Lituânia também possa se enriquecer com as sábias palavras deste grande pensador e mestre.
Aqui segue o texto publicado no Diário de Notícias de Portugal do dia 5 de março. *Obs.:A versão lituana está em www.kableliai.blogspot.com

Continuo a reflexão da semana passada sobre as religiões mundiais. Hoje, sobre as religiões proféticas, abraâmicas, monoteístas.

Em primeiro lugar, o judaísmo. Quantos cristãos se lembram de que Jesus era judeu e de que os primeiros discípulos também? Não se pode esquecer o que há de comum entre judaísmo e cristianismo. Também o cristão acredita em um só Deus, o Deus criador e consumador do mundo e da história, em quem o homem pode, com razões, pôr a sua confiança. Também aceita a Bíblia Hebraica ("Antigo Testamento") e reza os Salmos. Também o cristão está vinculado por uma ética da justiça e da promoção da paz, na base do amor de Deus e do próximo. Como disse Thomas Mann, referindo-se aos Dez Mandamentos, eles são "manifestação fundamental e rocha da decência humana", "o ABC da conduta humana".

Há hoje 1300 milhões de muçulmanos, seguindo o Profeta Maomé, que está na base do islão. Como os judeus e os cristãos, os muçulmanos crêem num só Deus, o criador misericordioso, providente e juiz da História. Mas, enquanto para os judeus o centro é constituído por Israel como povo e terra de Deus e para os cristãos central é Jesus Cristo como Messias e Filho de Deus, esse centro para os muçulmanos é o Alcorão como palavra e livro de Deus. Ele é o livro vivo e sagrado para os muçulmanos em todo o mundo. Nele, encontram o seu modelo de vida, de que fazem parte os chamados cinco pilares do islão: acreditar que Alá é o único Deus e Maomé o seu profeta; rezar cinco vezes ao dia; auxiliar os pobres; jejuar durante o mês do Ramadão; ir em peregrinação a Meca uma vez na vida.

E o modelo cristão? O fundamento da espiritualidade cristã não se encontra em dogmas por vezes incompreensíveis ou em sublimes mandamentos morais nem numa grande teoria ou num sistema eclesiástico. O modelo de vida cristão é pura e simplesmente Jesus de Nazaré como o Messias, o Cristo, o Ungido e Enviado de Deus. Na vida e na morte, o fundamento da autêntica espiritualidade cristã é Jesus Cristo, um desafio vivo para a nossa relação com os homens e com o próprio Deus, orientação e critério para mais de 2 mil milhões de seres humanos em todo o mundo. Cristão é aquele ou aquela que na sua vida e também na morte se esforça por orientar-se na prática por este Jesus Cristo e o seu Evangelho do Reino de Deus. A cruz só se entende à luz da sua vida e dos conflitos que criou. Mas os cristãos são transportados pela convicção de fé de que a sua morte não foi o fim: a ressurreição significa que Jesus está em Deus, que morreu não para o nada, mas para a Realidade mais real, isto é, foi recebido na vida eterna de Deus. Ele é, assim, o modelo cristão de vida em pessoa.

Logo a partir desta experiência existencial resulta que nenhuma religião se pode considerar como a única via de salvação. Quem poderia reclamar esse privilégio? Pelo contrário, percebe-se que as religiões, agora do ponto de vista teológico, em vez do confronto precisam de entrar no diálogo, corrigir-se e enriquecer-se mutuamente, colaborar.

Como conclui Hans Küng, podemos aprender uns com os outros, não apenas tolerar-nos, mas cooperar; temos o direito de debater sinceramente sobre a verdade: ninguém tem o monopólio da verdade, embora isso não signifique renunciar à confissão da verdade própria - "diálogo e testemunho não se excluem"; cada um deve seguir o seu caminho comprovado, mas conceder que os outros podem encontrar a salvação através da sua religião; vendo as coisas de fora, há diferentes caminhos de salvação, diversas religiões verdadeiras, mas, a partir de dentro - por exemplo, "para mim como cristão crente", só há uma religião verdadeira: a minha; a atitude ecuménica significa ao mesmo tempo "firmeza e disposição para o diálogo": "para mim pessoalmente, manter-me fiel à causa cristã, mas numa abertura sem limites aos outros."

Não há verdade abstracta. Por um lado, Deus revela-se na história. Por outro, a pessoa religiosa relaciona-se com o Divino pela mediação histórico-concreta de uma tradição religiosa particular.

4 de março de 2011

Ninguém pode possuir toda a Verdade.

Escreve Vladas Bartochevis
Lembro das aulas de Anselmo Borges, quando ele dizia sobre o Grande Mistério, sendo algo tão gigantesco, que nenhuma cultura seria capaz de enxergar todos os seus lados. Todas as culturas dizem a verdade, a verdade a qual vêem. Os budistas, a partir do seu ponto de vista, descrevem a parte do Grande Mistério que enxergam; os católicos vêem outra parte a partir de seu ponto de visão; os hindus vêem outra, os muçulmanos outra, e assim por diante.

E esta dinâmica esta em todas as outras relações que temos durante o dia e a vida, entre todas as coisas e pessoas. Para ter a prova, olhe para um objeto qualquer. Perceba que é impossível ver todos os seus lados ao mesmo tempo. Preciso dar a volta para ver os outros lados ou pedir a ajuda de outra pessoa para que diga o que vê dali da esquerda, como é aquele objeto dali da direita, para que eu possa entender melhor aquele objeto.
Assim é com todos os objetos, assim é com todos os acontecimentos, assim é com o Grande Mistério, assim é com toda a realidade que nós cerca.

A física não permite que eu veja uma coisa da mesma forma que outra pessoa vê ao olhar para esta coisa, pois simplesmente é impossível ocupar o mesmo lugar e ter o mesmo ponto de visão.
A história também impede que as pessoas possam ver as coisas da mesma maneira, pois ninguém viveu as mesmas coisas.
A psicologia diz que cada pessoa sente de forma única e por isso vemos a mesma coisa de formas diferentes. E ninguém pode entrar em outra pessoa e sentir da mesma maneira que a outra pessoa sente.

Cada cultura, cada indivíduo, tem suas verdades próprias e legítimas. Isso pode significar discórdia, pois é sempre tentador dizer que minha verdade não é apenas legítima, mas é a melhor e querer o seu reconhecimento. Mas pode significar que cada cultura e cada indivíduo é uma possibilidade viva e rica de se compreender melhor tudo o que nos cerca. E assim o respeito e o dialogo são os verdadeiros caminhos para a plenitude.

As religiões místicas

Anselmo Borges é reconhecido como uma das maiores autoridades da Teologia e Filosofia não só da Europa, mas de todo o mundo. E temos o prazer de trazer seus textos aqui na Vírgula e traduzí-los para a versão lituana do projeto, para que a Lituânia também possa se enriquecer com as sábias palavras deste grande pensador e mestre.
Aqui segue o texto publicado no Diário de Notícias de Portugal do dia 26 de fevereiro. A versão lituana está em www.kableliai.blogspot.com
(obs.:na foto Anselmo Borges e Antônio Colaço)
Qualquer pessoa verdadeiramente religiosa já alguma vez disse para si mesma: se tivesse nascido noutro continente, de uma família de outra religião, muito provavelmente a minha pertença religiosa seria outra. Na Índia, seria hindu. Em Marrocos ou na Indonésia, muçulmano. Em Israel, de mãe judaica, seguiria o judaísmo. Na China, seria confucianista ou taoísta. No Japão, xintoísta. Na Europa, em Portugal, cristão católico; na Rússia, cristão ortodoxo; na Suécia, cristão luterano.

É este exercício que o teólogo católico Hans Küng faz na sua última obra Was ich glaube (A minha fé), resultado de uma série de lições dadas, aos 80 anos, na Universidade de Tubinga.

Se tivesse nascido como um dos 1200 milhões de seres humanos na Índia, provavelmente seria hindu. Acreditaria no samsara, o ciclo das reencarnações, no quadro de uma compreensão cíclica do tempo, da natureza, dos diferentes períodos cósmicos e da história. Aceitaria que tudo é regido por uma "ordem eterna" ("Sanata dharma"), cósmica e moral e pela qual o ser humano se deve orientar. Importante é agir correctamente. Acreditaria que a minha vida presente resulta da minha acção moral boa ou má na vida anterior ("karma"), como a minha vida presente determina a vida seguinte. A saída do ciclo das reencarnações dar-se-ia na identificação de atman (eu) com Brahman (o Absoluto, a Realidade última e verdadeira).

Nascido no Sri Lanka, na Tailândia, no Japão, seria provavelmente um entre as muitas centenas de milhões de budistas, rejeitando a autoridade dos Vedas e, assim, também o domínio dos brâmanes e das castas. A figura que serviria de orientação seria Siddharta Gautama, "o Buda", que quer dizer "o Desperto", o "Iluminado". Desde o século VI a. C., ele responde, através da sua doutrina ("Dharma"), às grandes perguntas humanas. Essa resposta concentra-se nas "Quatro nobres verdades". A primeira: tudo é sofrimento, também no sentido de que tudo é impermanente. Qual é a origem do sofrimento que atravessa a vida toda? Responde a segunda: É a "sede de viver", o desejo, o ódio, a cegueira espiritual. A terceira nobre verdade diz que, através do desapego, é possível superar o sofrimento. Para isso, há a nobre verdade do caminho, com oito braços, que conduz à extinção do sofrimento: a visão perfeita, a resolução perfeita, a linguagem perfeita, a acção perfeita, a vivência perfeita, o esforço perfeito, o recolhimento perfeito, a concentração perfeita. Procura-se superar o renascimento, alcançando o Nirvana, aquela situação na qual já não há cegueira e todo o desejo é apagado - aquela situação que, já nada tendo a ver com a nossa experiência empírica, carece de toda a figura concreta, e, por isso, é o Nada, não no sentido niilista, mas de paz, plenitude e felicidade.

Nascido na China como um dos 1500 milhões de chineses, seguiria uma das três tradições religiosas: o budismo, o confucianismo ou o taoísmo.
O confucianismo não é tanto uma religião no sentido ocidental da palavra como sobretudo uma moral, baseada no equilíbrio cósmico e procurando a integração social. O Todo divino da Realidade é simbolizado pelo Céu imutável e os antepassados, que exprimem a permanência da Vida. Confúcio foi o primeiro na história da humanidade a formular a regra de ouro: "Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti". A sua moral assenta no equilíbrio cósmico, político e familiar, no quadro de um organicismo vital, hierárquico e polar: soberano-súbditos, homem-mulher, pais-filhos, irmãos mais velhos-irmãos mais novos. Ocupa lugar central o culto dos antepassados, associados ao Céu.

O taoísmo, radicado em Lao-tsé, estrutura-se no quadro de uma concepção da Realidade como harmonia de contrários. É bem conhecido o pictograma do Tao, um círculo e esfera perfeitos que tudo contêm, estando as suas duas metades - uma clara, outra escura, Yang (céu, masculino) e Yin (terra, feminina) - em movimento constante e exprimindo o Todo num equilíbrio de momentos polares.

Sem diálogo entre as religiões, não haverá paz entre as nações. Para dialogar, é preciso conhecer.

25 de fevereiro de 2011

Com uma palavra a pessoa pode ser soldado, médico ou destruidor

Vladas Bartochevis escreve
Desde o primeiro dia eu aqui digo: palavras e idéias podem mudar o mundo.
A palavra é o instrumento mais importante da humanidade, e quando usada adequadamente: é o mais poderoso dos instrumentos.

Recentemente toda a Lituânia chorou com a morte do poeta Justinas Marcinkevicius. Uma pessoa que toda a vida se preocupou em preencher o vazio com palavras puras e belas. Com seus versos tocou o coração das pessoas, preocupou-se para que as pessoas não se esquecessem daquilo que é verdadeiro e importante, que frente a beleza vale a pena parar, que pela liberdade vale a pena viver.
Ele foi um poeta, grande poeta, um mestre das palavras. Que desde os tempos soviéticos até hoje, provocou os lituanos à liberdade.

Marcinkevicius é um exemplo do poder da palavra. Tantos outros grandes nomes usaram e a usam para o bem ou o mal.
A maioria das pessoas não tem o dom de escrever bonito ou o dom da retórica. O que a maioria das pessoas falam diariamente não resulta em revoluções como aconteceria com pessoas famosas. Mas todos os dias, em todo instante, cada pessoa contribui para a criação do mundo.
Quando escrevi no início que bem usada, a palavra é o mais poderoso instrumento: „bem usada“ não significa que de acordo com as regras gramaticais ou de etiqueta, e nem mesmo ter o dom de atrair a atenção das pessoas. Não é por causa disto que as palavras serão mais importantes. Quando a palavra vem do coração e não são vazias, elas preenchem o vazio. Bem usada significa „usada de forma sensível“.
Todas as pessoas podem envenenar o presente momento e uma pessoa, assim como pode embelezar ou salvar aquele momento e a pessoa.

Então há duas coisas principais. A primeira: todas as pessoas tem este poderoso instrumento. Segunda: será usado? e como será usado?
Estas duas coisas tem de estar vivas dentro de nós antes de qualquer instante.

Com o que me depararei hoje, com quem conversarei: eu diretamente influêncio naquela pessoa e naquelas situações.
Assim que a palavra sai de mim, aquele instante já não é o mesmo, eu o influenciei. Então a pergunta chave: como contribuirei? Contribuirei de forma rude, com mentira, com ofensas? Ou me preocuparei em preencher aquele instante ou o vazio naquela pessoa com respeito, educação, carinho?

Isso parece ser cansativo. Por que tenho que penar antes de cada instante? Realmente é mais fácil não ter responsabilidades... De forma geral sempre é mais fácil ficar do lado donde não é preciso chamar a responsabilidade. Mas o que alcançaremos com isso? Agora pare dois minutos e pense como pode ser uma sociedade onde o sentimento de responsabilidade é uma coisa estranha... é constrangedor, mas talvez possa até mesmo olhar pela janela ou ao redor e ver!

Verdade seja dita, que cada momento tem variados agentes, os quais constroem aquele instante, mas isso não pode ser desculpa.
Não importa como é a situação ir quais são os agentes nela, minha contribuição na criação daquele momento é enorme. Com uma palavra a pessoa pode ser soldado, médico ou destruidor.

O que fazemos com a linguagem?

Anselmo Borges é reconhecido como uma das maiores autoridades da Teologia e Filosofia não só da Europa, mas de todo o mundo. E temos o prazer de trazer seus textos aqui na Vírgula e traduzí-los para a versão lituana do projeto, para que a Lituânia também possa se enriquecer com as sábias palavras deste grande pensador e mestre.
Aqui segue o texto publicado no Diário de Notícias de Portugal do dia 19 de fevereiro.

Lá está Ludwig Wittgenstein: a linguagem não serve apenas para descrever a realidade, usamo-la também para pedir um favor, para agradecer, para amaldiçoar, para saudar, para rezar...

E é preciso atender ao contexto, à situação, ao uso. "Chove" pode dizer a constatação de um facto: está realmente a chover. Mas suponhamos que a mãe, pela manhã, quando o filho se prepara para ir para escola, lhe diz: "Chove", ele sabe ao mesmo tempo que deve levar o guarda-chuva. Se, numa família de agricultores, após uma seca prolongada, a mulher abre a janela e diz ao marido: "Chove", é o contentamento que é dito. Mas, se estavam na expectativa de um passeio agradável e diz: "Chove", é a desilusão.

A linguagem tem três funções principais: a expressiva, a apelativa e a representativa. Essas funções têm a ver com as relações estabelecidas entre o emissor, o receptor e os objectos: há alguém (emissor) que se dirige a alguém (receptor) para lhe comunicar algo. Pela função de expressão, o emissor exprime-se; pela função de apelação, interpela o receptor; pela função de representação, a linguagem torna presente a realidade.

Há também a função fática, que tem apenas a missão de manter o contacto: "sim, sim...", "pois...", "claro...". Quando alguém fala demais, vai-se tentando dizer que ainda se está lá a ouvir. Sabe Deus!...

Noutro sentido, é essencial a dimensão pragmática da linguagem. Segundo alguns filósofos, deveria tender-se para uma linguagem artificial, lógico-unívoca, interessando apenas as dimensões sintáctica (a relação dos signos entre si) e semântica (relação dos signos com a realidade) da linguagem e o princípio verificacionista das asserções. Mas, deste modo, esquecia-se a dimensão pragmática: falando, produz-se um efeito. Pense-se, por exemplo, na promessa de casamento: "prometo e juro amar-te e ser-te fiel por toda a nossa vida" produz o efeito que é o próprio casamento. Esta dimensão foi sublinhada na Bíblia: Deus criou pela palavra, palavra eficaz.
Com a linguagem, pode-se arrastar multidões, levá-las à revolução, acalmá-las, exaltá-las, virá-las num sentido ou noutro.

A palavra cura. Uma vez, apareceu-me um homem com imensos problemas e apenas me pediu que o ouvisse, sem interrupção. Falou mais de hora e meia e, no fim, agradeceu-me muito: tinha posto alguma ordem na sua vida. Com algumas palavras, podemos abrir futuro a uma pessoa. Com algumas palavras, podemos destruí-la para sempre: "és um burro, nunca farás nada na vida!"

Pela palavra, abrimo-nos ao mundo e o mundo abre-se a nós. Falando, damos razão disto ou daquilo, argumentamos, comprometemo-nos, formamos comunidade. Sendo a razão humana linguisticizada, só podemos compreender-nos a nós próprios em corpo, com outros e na história.

O homem, pelo facto de ser zôon lógon échon, animal que tem linguagem, é também zôon politikón, animal social, político, diferentemente do animal, que é gregário, e a razão disso é a palavra, como bem viu Aristóteles, na Política: "A razão de o homem ser um ser social, mais do que qualquer abelha e qualquer outro animal gregário, é clara. Só o homem, entre os animais, possui a palavra." E continua: "A voz é uma indicação da dor e do prazer; por isso, têm-na também os outros animais. Pelo contrário, a palavra existe para manifestar o conveniente e o inconveniente, bem como o justo e o injusto. E isto é o próprio dos humanos face aos outros animais: possuir, de modo exclusivo, o sentido do bem e do mal, do justo e do injusto e das demais apreciações. A participação comunitária nestas funda a casa familiar e a cidade."

A linguagem humana não se reduz à linguagem emotiva do prazer e do desprazer. É capaz de fazer juízos morais, de distinguir o bem e o mal, o justo e o injusto, partilhar e debater publicamente estas apreciações. Deste modo, como sintetiza, Gabriel Amengual, "por esta dupla função, a linguagem funda a ética e funda eticamente a pólis".

Como faz falta voltar aos clássicos! Para acabar com a mentira e ir além da sofística.

18 de fevereiro de 2011

Para que se aprofundar?

Escreve Frank Van den Berg, Holanda
A Holanda está agora em dúvida sobre a questão se teríamos que mandar soldados para o Afeganistão para treinar a polícia. Não sei exactamente que seria o papel da Holanda aqui, mas dizem que é bom isso para ter um papel na luta contra o Talibã. O governo do Afeganistão quer muito a nossa ajuda nesta luta. Mas também está muito inseguro lá, e os militares que vão treinar a polícia, íam estar em perigo de morte.

Resumidamente, é um problema com diferentes lados, e claro que é muito mais complexo do que implicam as linhas aqui em cima. Infelizmente com as eleições (indiretas) do senado que estão para chegar nuns 40 dias, os partidos que já tomaram uma decisão antes de se informar sobre o assunto estão beneficiando ao detrimento dos partidos que querem ter mais informação antes de decidir.

Assim chega que muitas pessoas valorizam mais uma argumentação como ‘não é bom ir para o Afeganistão para ajudar a substituição de um governo islâmico por um outro’ (como o partido da extremo-direita diz aqui), que uma opinião mais atenuada. Muitas pessoas estão valorizando muito a imagem da tenacidade, e têm tendência a decepcionar-se com dúvidas. Na minha opinião, isto pode resultar numa atitude de descuidado em assuntos importantes com os políticos.

Declaração universal dos deveres humanos

Anselmo Borges é reconhecido como uma das maiores autoridades da Teologia e Filosofia não só da Europa, mas de todo o mundo. E temos o prazer de trazer seus textos aqui na Vírgula e traduzí-los para a versão lituana do projeto, para que a Lituânia também possa se enriquecer com as sábias palavras deste grande pensador e mestre.
Aqui segue o texto publicado no Diário de Notícias de Portugal do dia 12 de fevereiro.


Ainda no início do novo ano, fica aí uma síntese da célebre "Declaração universal dos deveres humanos". Para superar a crise e para que a esperança não seja mera ilusão, wishfull thinking, precisamos todos de ser fiéis às nossas responsabilidades e cumprir os nossos deveres.

Já na discussão do Parlamento revolucionário de Paris sobre os direitos humanos, em 1789, se tinha visto que "direitos e deveres têm de estar vinculados", pois "a tendência para fixar-se nos direitos e esquecer os deveres" tem "consequências devastadoras".

Foi assim que, em 1997 e após debates durante dez anos, o Interaction Council (Conselho Interacção) de antigos chefes de Estado e de Governo, como Maria de Lourdes Pintasilgo, V. Giscard d'Estaing, Kenneth Kaunda, Felipe González, Mikhail Gorbachev, Shimon Peres, fundado em 1983 pelo primeiro- -ministro japonês Takeo Fukuda, sob a presidência do antigo chanceler alemão Helmut Schmidt, propôs a Declaração Universal dos Deveres Humanos. Na sua redacção, teve lugar destacado o teólogo Hans Küng.

O Preâmbulo sublinha que: o reconhecimento da dignidade e dos direitos iguais e inalienáveis de todos implica obrigações e deveres; a insistência exclusiva nos direitos pode acarretar conflitos, divisões e litígios intermináveis, e o desrespeito pelos deveres humanos pode levar à ilegalidade e ao caos; os problemas globais exigem soluções globais, que só podem ser alcançadas mediante ideias, valores e normas respeitados por todas as culturas e sociedades; todos têm o dever de promover uma ordem social melhor, tanto no seu país como globalmente, mas este objectivo não pode ser alcançado apenas com leis, prescrições e convenções. Nestes termos, a Assembleia Geral proclama esta Declaração, a que está subjacente "a plena aceitação da dignidade de todas as pessoas, a sua liberdade e igualdade inalienáveis, e a solidariedade de todos", seguindo-se os seus 19 artigos, de que se apresenta uma síntese.

1. Princípios fundamentais para a humanidade. Cada um/a e todos têm o dever de tratar todas as pessoas de modo humano, lutar pela dignidade e auto-estima de todos os outros, promover o bem e evitar o mal em todas as ocasiões, assumir os deveres para com cada um/a e todos, para com as famílias e comunidades, raças, nações e religiões, num espírito de solidariedade: não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.

2. Não violência e respeito pela vida. Todos têm o dever de respeitar a vida. Todo o cidadão e toda a autoridade pública têm o dever de agir de forma pacífica e não violenta. Todas as pessoas têm o dever de proteger o ar, a água e o solo da terra para bem dos habitantes actuais e das gerações futuras.

3. Justiça e solidariedade. Todos têm o dever de comportar-se com integridade, honestidade e equidade. Dispondo dos meios necessários, todos têm o dever de fazer esforços sérios para vencer a pobreza, a subnutrição, a ignorância e a desigualdade, e prestar apoio aos necessitados, aos desfavorecidos, aos deficientes e às vítimas de discriminação. Todos os bens e riquezas devem ser usados de modo responsável, de acordo com a justiça e para o progresso da raça humana.

4. Verdade e tolerância. Todos têm o dever de falar e agir com verdade. Os códigos profissionais e outros códigos de ética devem reflectir a prioridade de padrões gerais como a verdade e a justiça. A liberdade dos media acarreta o dever especial de uma informação precisa e verdadeira. Os representantes das religiões têm o dever especial de evitar manifestações de preconceito e actos de discriminação contra as pessoas de outras crenças.

5. Respeito mútuo e companheirismo. Todos os homens e todas mulheres têm o dever de demonstrar respeito uns para com os outros e compreensão no seu relacionamento. Em todas as suas variedades culturais e religiosas, o casamento requer amor, lealdade e perdão e deve procurar garantir segurança e apoio mútuo. O planeamento familiar é um dever de todos os casais. O relacionamento entre os pais e os filhos deve reflectir o amor mútuo, o respeito, a consideração e o cuidado.

10 de fevereiro de 2011

Ter ou querer?

Escreve Vladas Bartochevis
Todos os momentos da História foram importantes e causaram pequenas ou grandes revoluções. Mas hoje é a primeira vez que as principais mudanças não estão na geografia, mas sim na psicologia.
O que é real e o que tem valor?

Hoje em dia na maior parte do tempo estamos a querer: a próxima sensação, o próximo messenger, o novo amigo, o novo carro, a nova vida. Porém podemos ver, tocar, sentir, amar apenas este momento, o qual ainda temos. Não aquele que tivemos, não aquele que procuramos.

Alguns pensamentos sobre este novo mundo

Dorota Skočik escreve
Algumas pessoas são condenadas a ficar em algum lugar “pelo meio”. No limite, algum lugar ao lado, alí, não aqui. Quando paro para pensar, muitas vezes exatamente assim eu me sinto. Apesar de ter nascido no interior, sempre senti que me faltava algo alí ou que eu não era dalí, porém na cidade também me sentia diferente. Apesar de ter nascido na Lituânia, desde criança conversava em outra língua em casa: pois bem, e me sentia diferente. Quando terminei a escola pudi finalmente viajar para o país onde eu podia estudar e em toda parte falar a língua materna, mas entendi que mesmo alí sentia-me como estranha, e as outras pessoas percebiam isto. Eu sou mulher, mas as vezes parece que em mim há algo de homem, que de todas as formas tenta sair de mim, e se eu tentasse ignorar: seria apenas pior para mim mesma. Talvez este dualismo interior explica um pouco a teoria a qual afirma que a vida é movimento, que tudo muda a cada segundo e nunca volta ao ponto de partida. Nunca o mesmo pensamento vem a mente, podem apenas serem parecidos. E ainda mais interessante: nunca encontramos as mesmas pessoas, pois até mesmo as pessoas que conhecemos, se transformam a cada segundo.

Se tudo o que vejo é transformado e novo, por que não olhar para tudo com novos olhos? Pois estruturas e posições existem exatamente para serem quebrados, superados...

Na próxima semana...

Na próxima semana traremos um texto da maior autoridade de Filosofia e Religião da língua portuguesa: doutor Anselmo Borges.
E os pensamentos do nosso amigo Frank Van der Berg da Holanda.